quarta-feira, 20 de abril de 2022

CRÔNICA

 Ela e o tempo

Ela olha para si e se vê velha, velha. O que teria acontecido com ela que estava assim nesse estado? Não tinha o costume de se ver. Ela, que tinha recebido tantas pessoas, durante décadas e mais décadas, e oferecido banquetes e bailes de salão. Ela, que sabia de muitos segredos de pessoas chegadas e de gente de longe, que vinham e demorava voltar, ou nem voltava mais. 

Agora, caía aos pedaços.

É o tempo que não me fez perceber o que se passava comigo. 

Depois voltava no tempo e já não botava no tempo a conta de não ter percebido seu estado. Agora dizia que eram os afazeres das pessoas que ocuparam seu olhar e não permitiram que ela acompanhasse sua trajetória de vida.

Um belo dia - belo, uma forma de falar sobre um acontecimento do passado - nada de belo ocorreu com ela: veio a chuva, carregada de ventos fortes e a tirou daquele lugar, mas em pedaços. Não poderia ser o contrário, pois seus pés eram fincados no chão, em alicerces. Somente alguns membros puderam sair do lugar. Outros não resistiram e se despedaçaram no ar. 

Naquele lugar só ficou o alicerce e alguns membros que não foram levados pelo vento e a correnteza da chuva. Esta a levou, atravessando o rio e a destruindo por completo em seu leito.

Além do que ficou, também restou a lembrança dos transeuntes.

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